quarta-feira, 23 de setembro de 2009

As Águas de Março

O começo do Outono me traz lembranças de um passado ainda vivo, o cheiro da terra molhada em Sete Lagoas, cidade mineira pertim de Beagá, logali! Lugar onde vivi momentos inesquecíveis, recheados de afeto. A rua sem saída que terminava num bosque impenetrável pela sua montanhosa geografia, onde outrora viveram meus avós maternos. Hoje a matriarca D. Elba sente falta do avô João.
Férias escolares de verão eram quase sempre passadas lá. A família se reunia no Natal e os pais deixavam as crianças as cuidados dos avós até que as aulas começassem novamente. Éramos vários primos e primas abusando da paciência dos velhinhos, mas netos não são filhos, e a minha mãe deve sentir uma pontinha de inveja (além de orgulho, claro!) de ter visto os pais no papel mais hors concour da minha vida.
Da infância, lembro-me das tardes passadas a beira da lagoa com meu avô a nos incentivar alimentar os peixes com migalhas de pão, nos divertíamos com os patos e, não raramente, apareciam os botos! A criançada delirava! E o avô João ria-se como menino da nossa excitação com a descoberta do mundo. Ele nos proporcionou momentos de intensa cumplicidade. Ensinou a mim e aos primos, o verdadeiro sentido da amizade.
D. Elba é deliciosamente rechonchuda, como todas as avós deveriam ser. Sempre me senti segura aconchegada em seus seios. E era assim que gostava de terminar aqueles dias, no seu colo recebendo cafuné de primeira qualidade! Amante da boa mesa, ela nos proporcionava verdadeiras orgias gastronómicas, e tinha o cuidado de fazer sempre, tudo, ao gosto de cada neto. Lembro-me que não comia nada que fosse verde, e minha repugnância pela cor sempre foi respeitada. Só mesmo uma avó é capaz de tamanha complacência.
Muitos vintes de Março foram passados na companhia dos meus avós e primos, o dia em que comemoro meu renascimento e também o último dia de verão no hemisfério Sul. Não me recordo mais quando aconteceu o primeiro, daquele que viria a ser o meu grande ritual de passagem. O banho de chuva com as águas que fecham o verão. Nada mais viva que a sensação da chuva pesada caindo sobre o corpo, limpando a alma e energizando-me para começar mais um ciclo de vida.
A infância virou memória, sempre revivida com os banhos de chuva e o cheiro a terra molhada que me acompanham. Onde quer que renasça, São Pedro providencia o aguaceiro e eu não me faço de rogada. Agradeço e me banho nas bênçãos da Terra, sempre com o pensamento nas raízes, que é só o que fica no Outono da vida.


Um comentário:

Anônimo disse...

só mesmo uma neta legítima como vc pra relatar com tamanha perfeição os dias de verão passados lá...e eu como parte dessa história senti o cheiro de terra molhada ao ler, por que tb estive lá vivendo como vc esses momentos mágicos.
te amo !!!